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O meu pai não contou para
ninguém que estava com câncer. Nós da família só ficamos sabendo cinco
anos depois do diagnóstico. Durante esse tempo, quando eu soube que ele
estava indo ao médico com freqüência, meu pai afirmava que estava com
problemas na coluna e que por isso precisava andar com uma cinta. Na
realidade, ele tinha câncer de próstata.
Acho que ele sempre foi muito
auto-suficiente e reservado. Não gostava de preocupar as pessoas com as
suas dores e seus problemas.
Então nós só ficamos sabendo do
câncer quando o meu pai já estava numa fase muito pesada da doença, um
ano antes de morrer. Nessa fase, ele já tinha operado, feito tratamentos
e estava muito fragilizado. E na verdade ele só contou porque não havia
mais como esconder de ninguém, de tão debilitado que estava.
Durante os cinco anos em
que ficou doente, todos suspeitavam, no fundo, que ele estivesse com
alguma doença grave. Sua pele estava muito amarelada, ele emagreceu
demais, apresentando vários sintomas visíveis de que realmente estava
doente. Mas nem eu nem meus irmãos tocávamos no assunto, sabíamos que
era algo muito particular para ele, e era como se estivéssemos invadindo
sua privacidade, que ele queria manter. Isso ficava bem claro para
todos nós. Dessa forma, quando perguntávamos por que ele estava assim, o
meu pai desconversava, dizia que não era nada, o que reforçava a idéia
de que escondia algo mais grave. Afinal, se não estivesse mesmo com
nada, ele teria esclarecido a pele amarelada, aquele emagrecimento tão
intenso, a dificuldade para caminhar. Nesse caso, acho que ele diria:
"Olha, estou com isto e aquilo, e ponto!" Ele nunca foi de dar muita
satisfação a ninguém. |
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Raul Cortez.
Entrevista feita seis meses antes de seu falecimento.
Quanto mais falarmos sobre o
câncer, quanto mais falarmos sobre esse assunto, menos alimento vamos
dar para essa doença, menos alimento vamos dar para o nosso medo. Porque
eu acho que, quando alimentamos um medo, ele vira pânico.
Por incrível que pareça, acho
que o pior dessa doença é o remédio, a quimioterapia. A quimioterapia me
atingiu da pior forma possível, causando-me uma depressão terrível. Eu
tive que lutar muito contra essa depressão. Tive de enfrentá-la com
todas as minhas forças, mas valeu a pena. Terminei a luta como o
corredor que conclui uma maratona. Fiquei mais magro, sem energia para
falar, realmente muito cansado.
Passei 10 meses nessa batalha,
fora o tempo em que eu já estava com a doença e não sabia. Na
realidade, acho que a doença apareceu quando estava fazendo a novela
Esperança, na Globo. Antes mesmo de iniciar as filmagens na Itália,
comecei a sentir um mau humor repentino e inexplicável, uma irritação
horrível, dores antes de comer, sensações muito ruins. Joguei esse mau
humor e essa agressividade para o personagem, o que foi ótimo. Mas,
naquele momento, senti que alguma coisa não andava bem, claro. De todo
modo, achei que fosse uma azia, uma gastrite, ou mesmo alguma coisa
desse nível, e passei a me tratar como se esse fosse o problema. Então,
na mesma época, fiz uma operação de hérnia de hiato para tentar diminuir
o que estava sentindo, mas continuei tendo dores muito desagradáveis.
Depois, fui fazer um
filme com a Fernanda Montenegro. E no meio da filmagem tive que
interromper esse trabalho, porque comecei a ter dores horríveis por
conta de uma pancreatite. Fui atendido no Copa D'Or, no Rio. Do Copa
D'Or, voei para São Paulo, onde foi constatada a pancreatite. Assim,
tirei uns dias de descanso por recomendação médica. Já era um grande
sintoma de alerta, né? Naquela ocasião, fiz todos os exames que se possa
imaginar, mas nada foi detectado, é incrível isso. Então continuei a
trabalhar normalmente e terminei o filme com a Fernanda. Mas as dores
prosseguiram e pioraram muito. Cheguei a ponto de gritar de tanta dor.
Tive de parar de gritar. No dia em que eu gritei disse para mim mesmo
que, se eu precisasse representar um personagem que tivesse câncer, já
saberia como seria. Afinal, como atores, nós aproveitamos todas as
experiências da vida para o nosso trabalho. Só que, no fundo, eu não
achava que tinha câncer, de jeito nenhum.A importância do diagnóstico precoce do Câncer
Após perder seu pai, vítima de câncer, Ilan Gorin teve a ideia de organizar este livro cujo objetivo é conscientizar o maior número possível de pessoas sobre a importância do diagnóstico precoce do câncer, essa doença que não conhece idade, raça ou classe social. Na primeira parte do livro reúne depoimentos emocionantes de ilustres personalidades que enfrentaram esta terrível doença, entre elas Giba, Patrícia Pillar e o saudoso Raul Cortez. Mais do que dar lições ou ensinar a viver, essas histórias falam da importância do apoio e do afeto da família e amigos, para que nunca se perca a esperança e a vontade de lutar...
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