terça-feira, 21 de agosto de 2012

CANÇÃO DE OUTONO

                   Perdoa-me, folha seca, 
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.
De que serviu tecer flores
pelas areias do chão,
se havia gente dormindo
sobre o própro coração?
E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando áqueles
que não se levantarão...
Tu és a folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.
Certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão...
Cecília Meireles
pois é muito longe e tão tarde!
Pensei que era apenas demora,
e cantando pus-me a esperar-te.
Permita que agora emudeça:
que me conforme em ser sozinha.
Há uma doce luz no silencio,e a dor é de origem divina.
Permita que eu volte o meu rosto para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho como as estrelas no seu rumo"
Cecília Meireles
Responder a perguntas não respondo.
Perguntas impossíveis não pergunto.
Só do que sei de mim aos outros conto:
de mim, atravessada pelo mundo.
Toda a minha experiência, o meu estudo,
sou eu mesma que, em solidão paciente,
recolho do que em mim observo e escuto
muda lição, que ninguém mais entende.
O que sou vale mais do que o meu canto.
Apenas em linguagem vou dizendo
caminhos invisíveis por onde ando.
Tudo é secreto e de remoto exemplo.
Todos ouvimos, longe, o apelo do Anjo.
E todos somos pura flor de vento.
Cecília Meireles
 NÃO: JÁ NÃO FALO DE TI
Não: já não falo de ti, já não sei de saudades.Feche-se o coração como um livro, cheio de imagens,de palavras adormecidas, em altas prateleiras,até que o pó desfaça o pobre desespero sem força,que um dia, pode ser, parece tão terrível. 
A aranha dorme em sua teia, lá fora, entre a roseira e o muro.Resplandecem os azulejos- e tudo quanto posso ver.O resto é imaginado, e não coincide, e é temeráriocismar. Talvez se as pálpebras pudesseminventar outros sonhos, não de vida...
Ah! rompem-se na noite ardentes violas,pelo ar e pelo frio subitamente roçadas.Por onde pascerão, nestes céus invioláveis,nossas perguntas com suas crinas de séculos arrastando-se...Não só de amor a noite transborda mas de terríveis crueldades, loucuras, de homicídios mais verdadeiros. 
Os homens de sangue estão nas esquinas resfolegando,e os homens da lei sonolentos movem letrassobre imensos papéis que eles mesmos não entendem... Ah! que rosto amaríamos ver inclinar-se na aérea varanda?Nem os santos podem mais nada. Talvez os anjos abstratosda álgebra e da geometria.Cecília Meireles
UMULTO
Tempestade... O desgrenhamento
das ramagens... O choro vão
da água triste, do longo vento,
vem morrer-me no coração.
A água triste cai como um sonho,
sonho velho que se esqueceu...
( Quando virás, ó meu tristonho
Poeta, ó doce troveiro meu!...)
E minha alma, sem luz nem tenda,
passa errante, na noite má,`
à procura de quem me entenda
e de quem me consolará...
Cecília Meireles

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